Humberto Espíndola é um artista de um senso de humor aflorado. Iniciou o evento dizendo que não é um palestrante oficial e que estava mais acostumado é conversar com turmas de crianças nas escolas do Estado. “Eu sempre conto para elas que descobri meu talento, fazendo desenhos com a mangueira d’água, nas paredes do quintal da minha casa. Naquela época, Campo Grande era uma poeira só. As chimbicas levantavam o pó na cidade inteira e o serviço das crianças era limpar o quintal”, disse.
Em 1h20, Humberto contou muitas curiosidades sobre a época de sua infância. Segundo ele, naquele tempo, ninguém estimulava os jovens a fazer carreira artística. Havia muito preconceito. “Ninguém dizia: Olha como ele desenha bem! Vai ser artista! Diziam: Ele vai ser engenheiro!”,observou. Ao contar sobre seu início como artista plástico, lembrou que aos 13 anos foi para São Paulo, capital, para fazer aulas de pintura, pagas por um tio que percebeu seu talento. “Ao entrar na casa do meu mestre, fiquei deslumbrado com todos aqueles quadros que eu via! Ele era aquele típico pintor de boina e barba branca. E sempre perguntava o que eu queria copiar”, afirmou. Neste momento é que teve suas primeiras aulas de perspectiva. E depois de fazer seus desenhos, o professor fazia os retoques e finalizava um quadro totalmente diferente. “Com o tempo não quis mais estudar pintura e a partir daí é que começou a nascer realmente o artista Humberto Espíndola”, explicou. E abriu um parêntesis: “O pior sentimento que um artista pode ter é a vaidade. Achar que sabe tudo. O artista tem que ter auto-crítica. Um trabalho sem auto-crítica, não é nada!”.
Depois que volta de São Paulo, teve a oportunidade de ver a artista Lídia Baís pintar um de seus quadros alegóricos, pois apesar de ser uma mulher reclusa, era gentil e simpatizava com os pais de Humberto. Ele rememorou fatos curiosos sobre a vida de Lídia. “Na época que aconteceu a Semana de Arte Moderna de São Paulo, na década de 1920, Mário de Andrade enviou cartas para a Lídia Baís. Só que naquela época a mulher era muito reprimida. Numa cidade de 17 mil habitantes, como era Campo Grande, onde todo mundo morava em volta da igreja matriz, uma mulher artista era considerada louca. Ela não teve coragem de participar, mas ela poderia ter sido uma Anita Malfatti” lamentou. Ainda de acordo com ele, Lídia tinha pureza de coração e era uma pessoa muito mística. Ele sempre a via quando acompanhava a mãe à missa.
Lídia pintou cerca de 100 quadros. “Ela é principal ícone da nossa cultura. Alguém que sofreu tanto na mocidade, tem que ter sua obra recuperada”, disse Humberto Espíndola.
Após falar sobre Lídia, o artista plástico lembrou de alguns artistas estrangeiros que vieram para Mato Grosso de 1930 a 1950. Muitos vieram para a região trabalhar como fotógrafos e depois tornaram-se pintores. Entre eles estavam os espanhóis Miguel Perez, que montou uma lojinha chamada Fábrica de Quadros na rua Calógeras, e José Hidalgo, que fazia fotografias políticas. Havia também os pintores Antônio Burgos, Mário Bodis e as pintoras Iná Metelo, Hernestina Carmo e Inês Correa da Costa.
Humberto Espíndola contou também sobre a década de 60, época em que foi estudar jornalismo em Curitiba-PR. Na faculdade, estudou história da arte e voltou a pintar, depois de um longo período sem produzir, desde a adolescência. Neste período, o seu lema era escandalizar. Começou a pintar telas de mulheres com grandes olhos, e começou a ser chamado de pintor moderno. Neste momento, é que ele conhece sua futura parceira de trabalho Aline Figueiredo, uma moça rebelde, filha de fazendeiro do Pantanal. Foi ela quem iniciou um movimento cultural em Campo Grande e teve a idéia de fazer a 1ª Exposição dos artistas Mato-Grossenses. Desta exposição, participaram 17 artistas, entre eles: Dalva Maria de Barros, o corumbaense Jorapimo e Ilton Silva “Aline Figueiredo sempre foi uma mulher muito persistente. Para a exposição, ela queria trazer como jurado o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp), Pietro Bardi. Só que ele não aceitou o convite. Mas não dando-se por satisfeita, ela foi bater na porta de nada mais nem menos do que o poderoso Assis Chateaubriant, dono do Masp. Ela sabia que ele queria descentralizar a arte brasileira e conseguiu convencê-lo a mandar Bardi para ser jurado da mostra”, contou. Além dele, foram jurados da mostra Parisi Filho e Valdemir Martins. A exposição aconteceu no Rádio Clube. O artista Reginaldo Araújo ficou com o 1° prêmio, seguido de Jorapimo e Dalva Barros.
Mas segundo Humberto, esta história não teve um final muito feliz. O diretor do Masp participou da primeira mostra a contragosto e depois fez duras críticas aos artistas mato-grossenses numa das revistas culturais mais lidas na época. “Esse foi um golpe duro para mim e para a Aline. Só que fizemos um pacto. Iríamos estudar muito para conseguir realmente sermos artistas que conseguissem representar o Mato Grosso nacionalmente. Mato Grosso não existia no cenário nacional. Iríamos começar a escrever a história das artes plásticas do Estado. Depois de 2 anos perseguindo este objetivo é que consegui criar a série de obras que fala sobre a Bovinocultura. Em 1967 ganhei o prêmio no salão de artes plásticas de Brasília tendo conquistado os críticos do Rio de Janeiro e São Paulo. Depois disso, Pietro Bardi até ficou meu "amigo”, comemorou Humberto.
Com o reconhecimento nacional, Aline Figueiredo e Humberto Espíndola fundaram a Associação de artistas plásticos de Mato Grosso que reuniu a primeira leva de artistas plásticos mato-grossenses, nos anos 70. Surgiu nessa época, a conhecida Conceição dos Bugres. Neste momento universidades estavam instalando-se em Mato Grosso, sendo que a Universidade Federal de Mato Grosso fixou-se em Cuiabá. Foi criada então a Associação Mato-grossense de Arte que tinha sua sede na UFMT. Esta associação organizou um museu dentro da universidade que foi um marco para a cultura do Estado. “Esta iniciativa permitiu uma programação cultural e deu início à formação do público cultural de Mato Grosso”, explicou o artista plástico.
Em 1977, ocorre a divisão do Estado e inicia-se um movimento cultural idealizado por Henrique Spengler para buscar-se uma identidade para o Mato Grosso do Sul. “Para encontrar uma identidade, o artista tem é que trabalhar, produzir muito”, observou Humberto. A partir deste movimento aparecem nomes como Jonir Figueiredo, Miska, Lúcia Barbosa, Nelly Martins, Teresinha Neder, Áurea, Ana Ruas, Ana Carla Zahran, Thetis, Lu Sant’ana, Genésio Fernandes, Carlos Nunes, Vânia Pereira, Neide Ono, José Nantes, Fernando Marson, Roberto Marson, Juracy, Cecílio Veria, Isac Saraiva, Elis Regina Nogueira, Irani Brum, Bucker, Heron Zanata e Ovini Rosmarinus, que buscavam a afirmação da arte sul-mato-grossense em diversos salões de arte brasileiros. Humberto Espíndola afirmou que “nos salões são doadas muitas obras, sem critério algum. Tem muita porcaria também, mas as premiações valorizam os artistas e formam a base dos acervos históricos”.
Uma das funções da arte é criticar a sociedade, mostrar o que não querem ver. A arte lê o pensamento de um período histórico. O artista deve refletir seu meio ambiente. A obra tem que ter força social, durabilidade. Humberto apontou Evandro Prado, Douglas Colombelli, Priscila Paula Pessoa e Patrícia Rodrigues como a última geração de artistas que vêm apresentando um trabalho crítico para a sociedade de Mato Grosso do Sul e dão força para a arte Sul-mato-grossense.
Após discorrer sobre a história das artes plásticas, o palestrante falou ainda sobre a influência da arte dos países que fazem fronteira com o Estado. “A arte que se faz hoje nos países fronteiriços tem uma alma semelhante no colorido e na quantidade de elementos.Deveria-se ser feito um projeto cultural no centro da América do Sul, já que existem muitas semelhanças musicais e artísticas entre os povos da região. Na rota cultural entre Assunção, Pedro Ruan Caballero, La Paz e Campo Grande existe um público latente de cerca de 5 milhões de pessoas que não pode ser desprezado. Mas os artistas não olham para o interior e preferem depender do eixo Rio-São Paulo. Devemos criar um circuito interno, encadeado e independente”. Ainda segundo o artista Humberto Espíndola, os artista sul-mato-grossenses acostumaram-se com seu isolamento. E para agravar esta situação, afirmou que existem salas e espaços culturais, mas não existe o financiamento de projetos para a circulação das obras. Mas lembrou da contribuição que o Festival de Inverno de Bonito e o Festival América do Sul vêm dando às artes plásticas ao fazer o intercâmbio e divulgação de artistas.
“Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, atualmente estão empatados na produção de artes plásticas de maneira harmoniosa. O problema da identidade não existe. A gente tem muita coisa a fazer para a composição da arte sul-americana. Temos um papel muito especial na América Latina. Os políticos têm que ter consciência disso”, finalizou Humberto Espíndola.
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